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A nova geração de bebês com plásticos

Micropartículas já estão em nossos corpos desde a gestação

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Rossana Soletti

Uma das invenções modernas de mais impacto sobre a humanidade foi o plástico, cuja praticidade e versatilidade deram ensejo a que a indústria fabricasse milhões de toneladas por ano. Porém, a produção cada vez maior de itens, alguns dos quais rapidamente descartáveis, virou um problema, dada a longevidade do material no ambiente. Tanto a degradação ambiental quanto o uso cotidiano do plástico produzem microplásticos, minúsculas partículas de tamanho inferior a um milímetro, já presentes por todo o planeta: no ar, nas águas, nas plantas, nos animais e nos alimentos.

Nos últimos anos, micro e nanopartículas plásticas foram detectadas em órgãos, fezes e sangue humanos, mas as consequências desse estoque em nosso organismo ainda não são bem compreendidas. Além de uma possível toxicidade dos componentes plásticos em si, o material que é degradado no ambiente pode se agregar a outros poluentes, incluindo compostos tóxicos que, embora banidos há décadas, ainda persistem contaminando o planeta.

Arte ilustra um bebê dentro da barriga; as mãos da mãe seguram o bebê e um saco plástico; dentro dele está a placenta
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Alguns estudos sugerem que os microplásticos de menor tamanho podem entrar em nosso corpo por meio da ingestão e até mesmo da inalação, e na sequência viajam pelo sangue e penetram as células, acumulando-se nos tecidos biológicos. Até mesmo a placenta pode ser contaminada: em 2021, um grupo de pesquisadores italianos encontrou pela primeira vez a presença de microplásticos medindo de 5 a 10 micrômetros em quatro de seis placentas analisadas. Os fragmentos eram pigmentados e alguns foram identificados como polipropileno, um tipo de plástico muito utilizado em embalagens. As partículas restantes podem ter origem em tintas, cosméticos e produtos de higiene pessoal. Pesquisas mais recentes analisaram outras amostras de placentas, obtidas de parto vaginal ou cesárea, e encontraram microplásticos em todas elas. As "plasticentas", como foram denominadas, são uma clara representação dessa nova geração da humanidade.

Ainda não se sabe ao certo quais riscos à saúde fetal as plasticentas representam, mas os achados preocupam, já que a placenta realiza a troca de substâncias entre a mãe e o feto e tem outros papéis fundamentais ao longo da gestação. Experimentos feitos em camundongos mostraram alterações cerebrais, cognitivas e comportamentais, em filhotes cujas mães ingeriram grandes quantidades de microplásticos. Outro efeito observado nessas fêmeas é a redução da fertilidade e alterações no sistema imune. Camundongos machos também podem sofrer as consequências de uma dieta "plastificada", com redução nos níveis de testosterona e nos parâmetros de qualidade dos espermatozoides, além de danos nas células do sistema reprodutor.

Se o bebê já é exposto a microplásticos desde a gestação, após o nascimento a exposição é ainda maior, já que grande parte dos objetos que o circundam são de plástico. Se alimentado com mamadeira, a ingestão será inevitável. E nem o leite materno está a salvo: um estudo desse ano encontrou microplásticos de diferentes origens, como polietileno e polipropileno, em 26 de 34 amostras analisadas. A hipótese mais provável é que as mães foram contaminadas pelo consumo de alimentos, bebidas e produtos de higiene pessoal, e assim as micropartículas passaram para o leite. Mas o simples fato de respirar já nos torna suscetíveis à contaminação. Novamente, ainda não conseguimos avaliar se isso é de fato um risco a nossa saúde, e futuras pesquisas deverão estimar os prejuízos que a exposição desde o nascimento pode nos trazer.

Enquanto isso, a poluição gerada pela excessiva presença de plástico no mundo precisa ser combatida. No plano individual, podemos reduzir o consumo de itens e embalagens plásticas. No plano coletivo, incluindo indústrias, instituições e governos, é urgente a adoção de medidas para desacelerar a produção e incentivar o reaproveitamento — o apoio e o financiamento adequado à ciência serão fundamentais para tornar as próximas gerações mais saudáveis e sustentáveis.

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Rossana Soletti é doutora em Ciências Morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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